Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
Vocabulário
Bahia – cidade de Salvador
estado – situação, condição de vida
empenhado – endividado
trocar – nos dois sentidos: comerciar e mudar
máquina mercante – as naus do comércio
deste em dar – principiaste, começaste a dar
dessemelhante - diferente
simples – droga, remédio
simples – droga, remédio
brichote – estrangeiro ( pejorativo)
sisuda – ajuizada, modesta
capote – capa larga e longa
Gregório de Matos Guerra (1636 – 1696) nasceu na Bahia, estudou em
colégios jesuítas de Salvador e se formou em Direito pela Universidade de
Coimbra, em Portugal, onde trabalhou como jurista e conheceu a produção
literária de sua época. Em 1682, retornou à Bahia, assumindo o cargo de
tesoureiro-mor da Sé. Doze anos depois, em função dos poemas satíricos contra
governantes da Bahia, foi deportado para Angola, de onde voltaria apenas um ano
antes de morrer, estabelecendo-se no Recife.
Como Gregório não publicou livros
em vida — seus poemas circulavam sobretudo oralmente e em cópias manuscritas — e há
muita dificuldade em identificar sua obra, ela só veio a ser amplamente
conhecida no século XVIII, por meio de cópias feitas por diferentes pessoas,
sem nenhum rigor. Atualmente, vários poemas presentes nesses códices têm sua
autoria contestada e atribuída a outros poetas.
Independentemente da legitimidade dessa autoria, Gregório é hoje a
assinatura poética de uma obra numerosa, variada e rica, que abrange poesia
lírica, religiosa, encomiástica e satírica, revelando grande desenvoltura nos
jogos de linguagem e de idéias tão cultuados pela literatura barroca.
Comentários
A poesia satírica é muito provavelmente a parte mais popular da obra de
Gregório de Matos. Pelas críticas frequentes e impiedosas a políticos (algumas
de caráter pessoal) e à organização social da Bahia e da Colônia de um modo
geral, o poeta ficou conhecido pelo apelido de “Boca do inferno”.
Em “À cidade da Bahia”, o poeta critica a exploração da Bahia por
comerciantes estrangeiros, especialmente os ingleses, ação que opera uma
transformação tanto no lugar quanto na vida dele.
Sendo uma obra conceptista, esse soneto desenvolve o pensamento de modo engenhoso, exigindo do leitor um maior esforço para a compreensão pelo refinado jogo intelectual de paradoxos e sutilezas lógicas. Observe sua estrutura:
• nos dois quartetos, o poeta compara as transformações de sua vida com as da vida da cidade.O paralelismo dos versos e das construções sintáticas, os jogos de palavras e as antíteses atribuem densidade expressiva à comparação.
• nos tercetos, o poeta ocupa-se apenas da cidade No primeiro, formula uma explicação para o atual estado em que ela se encontra. No segundo, indica uma solução, exprimindo o desejo de que ela passe a ter um estilo de vida mais simples.
A estruturação conceptista do poema não impede, entretanto, os recursos expressivos próprios do cultismo, como o uso intensivo de aliterações.
Atividades propostas
No soneto, a Bahia, personificada, é objeto das recriminações do
poeta, como frequentemente ocorre em seus poemas satíricos.
1 – Nas duas primeiras estrofes, ele faz um paralelo entre a sua
vida e a da cidade, descrevendo as transformações que ambas sofreram.
a) Qual era a antiga situação de suas vidas?
b) E a situação presente?
2 – A antítese é uma das figuras de linguagem mais utilizadas pela
literatura barroca.
a) Liste as antíteses utilizadas por Gregório de Matos e indique a que
tempo (passado ou presente) cada palavra se refere.
b) O que revela o uso intenso da antítese no poema?
3 – A vida do poeta foi mudada pelos maus negócios e pelos negociantes
mais espertos que ele. A que ele atribui às mudanças de estado da cidade?
4 – Releia a terceira estrofe e responda: segundo o poeta, por que a
Bahia, na época a maior exportadora mundial de açúcar, tinha tanto prejuízo no
comércio internacional?
5 – Na última estrofe, ele formula um desejo, exprimindo-se por meio da
metáfora do “capote de algodão”. Explique o desejo do poeta e a importância da
metáfora na composição do poema.
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ResponderExcluirMuito obrigada por disponibilizar esse tipo de conteúdo! <3
ResponderExcluirmuito obrigada pelo seu carinho, salvou meu trabalho de literatura :O
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