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sábado, 20 de agosto de 2011

Soneto de separação - Vinicius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes, poeta de Eros e da paixão, trovador moderno que cantava seus versos incorporados à Musica Popular Brasileira, começou escrevendo poemas de estilo simbolista. Entretanto, na medida em que se desenvolveu como poeta, foi abandonando a contemplação e tematizando principalmente o sentimento amoroso. A marca mais forte de seus poemas é a experiência do amor como algo concreto, algo cuja eternidade se mede em termos de intensidade e não de duração cronológica.

Quando se perguntava a Vinicius: “Quais as três coisas mais importantes da sua vida?”, sua resposta era, invariavelmente: “Primeiro, mulher; segundo, mulher; e por fim mulher!” Na música, na poesia e na diplomacia, o poeta será sempre lembrado como um eterno apaixonado, à procura do Supremo Impossível, o amor absoluto e a mulher ideal, ansiosamente buscado em todas as mulheres:

“O que é a mulher em mim senão o Túmulo
O branco marco da minha rota peregrina
Aquela em cujos braços vou caminhando para a morte
Mas em cujos braços somente tenho vida?”

Em Vinicius a mulher é o principal foco de interesse. De início está ainda envolta em forte misticismo, a ponto de se poder supor, por parte do poeta, a expectativa de que a mulher e a experiência amorosa possam ocupar o lugar da crença e da religiosidade, prestes a se diluírem. Vinicius empreende uma espécie de divinização da mulher, transferindo para ela todo um caudal de esperanças e ansiedades: transforma-a num ser superior, de onde provêm e para onde convergem todas as formas elevadas de existência; com isso atribui ao amor à condição de experiência-limite, capaz de resgatar o homem de sua precariedade. Qualquer coisa como se o “sublime” devesse ser procurado dentro do “cotidiano” e não fora dele.

Tal concepção lembra, em vários pontos, o platonismo amoroso dos trovadores medievais, caracterizado por uma radical idealização da mulher; lembra também o amor espiritual dos românticos, assim como o “amor louco” dos surrealistas, o amor concebido como valor supremo, acima da Religião, Moral etc. De certo modo, a concepção amorosa de Vinicius de Moraes pode ser encarada como ponto de convergência de Trovadorismo, Romantismo e Surrealismo. Mas aquilo que lhe confere inegável autonomia e originalidade é a presença cada vez mais insistente de sensualismo e erotismo; não mais no sentido de “perdição da carne”, como nos primeiros poemas, mas como dimensão integrada aos apelos espirituais, em invejável harmonia.

Daí o forte sopro de realismo que lhe percorre os versos amorosos mais apreciados, em que a fusão carne-espírito se oferece com a mesma espontaneidade e fluência que, cada vez mais, lhe caracterizam o estilo e a linguagem:

“Eu sofri porque de repente senti o vento e vi que estava nu e ardente
E porque era teu corpo dormindo que existia diante de meus olhos.
Como poderias me perdoar, minha amiga, se soubesses que me aproximei da flor como um perdido
E a tive desfolhada entre minhas mãos nervosas e senti escorrer de mim o sêmen da minha volúpia?”

A relação amorosa, com suas luzes e sombras, seus encantamentos e desilusões, transformou-se num dos mais constantes temas do poeta. Sua obra, com a de Cecília Meireles, representa a dimensão mais puramente lírica, no sentido original da palavra.

Ao mesmo tempo, a poesia de Vinicius de Moraes é emotiva, sentimental, delicada, sensorial, “erótica” (atravessada pelo sopro de Eros, o deus da mitologia grega que representa a força da paixão, do desejo, do amor) e, sobretudo musical. O poeta foi sem dúvida um trovador moderno: resgatou a secular relação entre a música e poesia, compondo e cantando suas criações, sempre em parceria com outras grandes vozes da Música Popular Brasileira.

Seus sonetos lírico-amorosos, como o “Soneto de separação” dialogam com uma das mais importantes tradições da poesia lírica (caracterizada, essencialmente, por manifestar a subjetividade do eu lírico, expressando-lhe os sentimentos, as emoções, o mundo interior) em língua portuguesa: a tradição clássica de Luís Vaz de Camões, poeta português do século XVI, que escreveu sonetos decassílabos de dimensão filosófica, tomando como tema simultaneamente o amor físico e o amor espiritual, a universalidade da experiência amorosa e suas significações para a condição humana.

Comentários sobre o poema

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De um modo geral, a musicalidade é um elemento fundamental no texto lírico. Neste soneto, Vinícius de Moraes explora recursos poéticos no plano da sonoridade, do ritmo e das figuras de linguagens. Dentre eles, destacam-se as anáforas (“De repente”), os versos decassílabos (dez sílabas poéticas em toda a sua estrutura) e um variado jogo rimático que compreende as rimas ABBA CDCD EFE FFE. A ocorrência considerável de fonemas sibilantes (/sê/), a aliteração ( repetição constante de um mesmo fonema consonantal) entre palavras (“espuma”, “espalmadas”, “espanto”) e a assonância (repetição constante das vogais /e/ e /o/ no decorrer do soneto)consistem nos principais recursos empregados pelo artista para alcançar a referida sonoridade.

Na primeira estrofe, o eu lírico enfatiza o trauma da “separação” através da expressão “De repente”, que aponta uma mudança súbita: da segurança para a insegurança; do certo para o incerto(instabilidades face ao inesperado). A antítese, figura de linguagem que se constrói a partir de oposição de ideias (“riso/pranto”), estabelece o contraditório entre o passado e o presente. Antes, tudo era bom; havia o riso, o beijo... O presente é ruim; pranto, espanto... A partir deste ponto, fica nítida a sensação de que as relações amorosas podem ser fugazes e imprevisíveis. Perceba que Vinícius também emprega outros recursos de linguagem como a comparação ( atribuir características de um ser a outro, em virtude de uma determinada semelhança): “Silencioso e branco como a bruma”(imagem de algo que se esgarça e se dispersa, assim como a palavra “espuma”).

Na segunda estrofe, o eu lírico vivencia um conflito que atinge seu ápice num determinado momento do poema, através do verso 8: “E do momento imóvel fez-se o drama” ( drama: palavra que conota esse clímax). A imagem da “chama” simbolizando a sensualidade e a finitude do amor, do ir e vir das relações amorosas, intensas mas não eternas, pode ser considerada o traço típico desse poeta, que dessa forma contribui com a proposta modernista de aprimorar a experiência poética da experiência vivida.

Na terceira estrofe, o eu lírico acentua o aspecto temporal do poema: “De repente, não mais que de repente”. Neste contexto, a expressão atenua o espanto causado pela separação, isto é, o fato de tudo ter sido destruído num repente. Trata-se da “separação” que desencadeia, inevitavelmente, uma angústia ante a solidão. O poeta coloca como antíteses as palavras “triste”/amante, sozinho/ contente”, demonstrando a importância da correspondência no amor.


Na quarta estrofe, o eu lírico atormenta-se, impotentemente, diante de um fato consumado: sem o amor, perdem-se o sentido e a direção da vida (“Fez-se da vida uma aventura errante”). O emprego de um único tempo (pretérito perfeito do indicativo), representado pelo verbo fazer (fez/desfez), esboça que o fato (separação) já ocorreu e, portanto, é uma ação acabada, visto como algo irreversível.

Repare que o poema centra-se em seguidas antíteses que realçam a mudança de situação provocada pela perda ( o segundo membro da antítese sempre traz uma conotação de dor, de infelicidade: “próximo/distante”). Outro aspecto que chama a atenção é a valorização do momento, a força do destino (ou do acaso) que muda a nossa vida “De repente” ( locução adverbial empregada seis vezes no poema, utilizada para demonstrar a forma imprevista como as ações ocorreram), quando não há mais esperança de reencontro.

A importância de Vinícius de Moraes para a cultura brasileira não se restringe à literatura. Juntamente com Tom Jobim e João Gilberto, ele participou, nos anos 50, da criação do movimento musical da Bossa Nova. Algumas de suas principais obras são: Ariana, a mulher (1936), Poemas, sonetos e baladas (1946), Orfeu da Conceição (teatro, 1956), Livro de sonetos (1957), Antologia poética (1960), Para uma menina com uma flor (crônicas, 1966) e A arca de Noé (poemas infantis, 1970).