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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Vou-me embora pra Pasárgada - Manuel Bandeira



Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca da Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d`água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
–Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.


Vocabulário
Contraparente: parente muito afastado; parente afim.
Alcalóide: substância química encontrada nas plantas que, entre outros fins, serve para a fabricação de drogas.

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho (1886-1968) compõe, juntamente com Oswald e Mário de Andrade, a tríade maior da primeira fase modernista, responsável pela divulgação e pela solidificação do movimento em nosso país.

O poeta nasceu em Recife, fez os estudos secundários no Rio de Janeiro e iniciou o curso de Arquitetura em São Paulo, mas foi obrigado a abandoná-lo em virtude de uma crise de tuberculose que nele se manifestara em 1904.

Trata-se em várias cidades do país e na Suíça ( no sanatório de Clavadel), entre 1916 e 1917, onde conhece o jovem e mais tarde famoso escritor dadaísta e surrealista francês Paul Éluard, internado na mesma clínica. Éluard coloca Bandeira a par das inovações artísticas que vinham ocorrendo na Europa e discute com o nosso poeta as possibilidades do verso livre na poesia. Esse aspecto técnico já fazia parte das preocupações de Bandeira, que hoje é considerado o mestre do verso livre no Brasil.

Em virtude da I Guerra Mundial, Bandeira interrompe seu tratamento e retorna ao Brasil. Daí por diante e até 50 anos, viveu em estado de quase invalidez, juntando o montepio de seu pai com o que lhe rendiam as críticas de arte e as esporádicas colaborações em jornais. Foi professor de Literatura do Colégio Pedro II e de Literatura Hispano-Americana da Faculdade Nacional de Filosofia no Rio de Janeiro( hoje, UFRJ). Em 1940, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras. Solteirão convicto, fez de sua casa um centro de reuniões boêmias até o fim da vida. Além de poeta e cronista, foi tradutor de Shakespeare, Schiller, Omar Khayajan, Goethe etc.

Os temas mais comuns de sua obra, marcada pela experiência da doença e do isolamento advindo dela, são, entre outros, a paixão pela vida, a morte, o amor e o erotismo, a solidão, a angústia existencial, o cotidiano e a infância. Embora pressentisse a chegada da morte a qualquer instante e vivesse cada dia apaixonadamente, como se fosse o último, Bandeira viveu 82 anos, e sua obra é um rico testemunho da poesia brasileira do século XX, envolvendo criações que vão de um pós-Parnasianismo e de um pós-Simbolismo às experiências concretistas das décadas de 1950 e 1960.

Poeta do coloquial e do prosaico, Bandeira sabia enxergar mais além. E seu trabalho com a linguagem, no sentido de buscar sempre o estritamente necessário para a comunicação, tem como resultado uma poesia que caminha para o despojamento, desde sua estréia em 1917, com Cinza das horas. Em Carnaval(1919), explica Sérgio Buarque de Holanda: ´´sua voz faz-se satirizante com ´Os sapos`, poema que seria uma espécie de hino nacional dos modernistas``.

O prosaísmo de Bandeira começa a emergir com mais frequência em Ritmo dissoluto (1924). Mas é com Libertinagem (1930) que se pode ver a consolidação de sua poesia (definitivamente modernista). Nela encontramos a renovação da linguagem, a fuga do ´´belo``tradicional em poesia, a incorporação da linguagem coloquial e popular e a temática do dia-a-dia. Alguns poemas desse livro são fundamentais para se entender a trajetória poética de Bandeira, como por exemplo, ´´Vou-me embora pra Pasárgada``.

Este poema incorporou-se de tal forma à alma nacional, que em todos os momentos, seja de superação de uma angústia individual, seja de desejo coletivo de um mundo com brilho e sem mediocridade, evoca uma sugestão de tal grandeza que já se tornou um arquétipo do povo. Em sua autobiografia lírica – Itinerário de Pasárgada – Manuel Bandeira afirma ter lido esse nome num autor grego, identificando uma cidade da antiga Pérsia fundada por Ciro, o antigo:

“Quando eu tinha os meus 15 anos e traduzia na classe de grego do Pedro II a ‘Ciropédia’, fiquei encantado com esse nome de uma cidadezinha fundada por Ciro, o Antigo, nas montanhas do sul da Pérsia, para lá passar os verões (...) Esse nome de Pasárgada, que significa´ campo dos persas` ou ´tesouro dos persas`, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delicias, como o de ´L`invitation au Voyage`de Baudelaire .Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo , num momento de fundo desânimo, da mais aguda sensação do tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: "Vou-me embora pra Pasárgada!" Senti na redondilha a primeira célula de um poema, e tentei realizá-lo, mas fracassei (...) Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio, me ocorreu o mesmo desabafo de evasão da "vida besta". Desta vez o poema saiu sem esforço como se já estivesse pronto dentro de mim."

Comentários sobre o poema

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Em “Vou-me embora pra Pasárgada”, Manuel Bandeira transfigura poeticamente a famosa cidade fundada por Ciro, utilizando-a como metáfora da felicidade. O coloquialismo, os versos em redondilha maior (verso de 7 sílabas poéticas distribuídas em 5 estrofes ) e a repetição do verso "Vou-me embora`` remetem-nos à poesia popular. É interessante ressaltar que a simples leitura do texto já nos convence de que se trata de um poema filiado ao Modernismo. Observe o emprego de certas expressões da cultura popular (´´brabo``, ´´pra``, ´´no tempo de eu menino``) e a ausência da pontuação tradicional.

Logo na 1.ª estrofe, observamos, em outra perspectiva, a recuperação da temática romântica do escapismo. O eu lírico demonstra o seu desejo de buscar um lugar imaginário e ideal para viver como forma de fuga do plano real, com a finalidade de libertar-se das limitações da vida presente. Há uma relação entre esse ´´desejo`` e a biografia do poeta. Pode-se dizer que Manuel Bandeira, sendo um rapaz muito doente, não pode gozar a vida como desejaria. Através da poesia, porém, ele cria um mundo de sonhos, a sua Pasárgada, onde tudo se transformam em realidade. A opressão, a solidão e a doença conduziram-no à busca da evasão, à procura do lugar ideal, onde praticamente tudo seria possível, principalmente quando se é ´´amigo do rei``. Pasárgada é a criação de um espaço mágico, onde a simples vontade torna-se lei (´´Lá tenho a mulher que eu quero/Na cama que escolherei``), e corresponde ao desejo de ter em sonho o que não se pode ter na vida real. É como uma espécie de compensação das frustrações da vida quotidiana.

A negação do mundo concreto e a idealização de uma realidade melhor, lembra indiretamente a postura de alguns escritores do Romantismo. Aliás, a oposição entre os advérbios de lugar aqui e (antítese), em torno da qual se constrói o poema, também faz lembrar a ´´Canção do exílio``, do romântico Gonçalves Dias. Dentro desta perspectiva, aqui refere-se à realidade concreta do poeta( tempo e espaço); identifica o sonho, a utopia do eu lírico que, negando este mundo chato e mofino, percorre vastidões da fantasia, ainda que seja para cair na loucura, pois, como afirmava Voltaire, ´´quem quiser fundar alguma coisa de grande deve começar por ser completamente louco``.

Pasárgada é um mundo suprarreal, que existe apenas na imaginação e, para inventá-lo, é necessário quebrar as amarras da lógica e da razão e deixar-se levar pela utopia. Na 2.ª estrofe, o non sense, isto é, a falta de lógica( a loucura, o irracionalismo) aparece principalmente no verso ´´Que Joana a louca de Espanha/ Rainha e falsa demente/ Vem a ser contraparente/ Da nora que nunca tive``. Em Pasárgada, os loucos e alienados podem assumir suas contradições e fantasias, o que reafirma o caráter excepcional desse reino imaginário. O fato do poeta misturar os personagens da História, demonstra um requinte de ironia dentro da sua poesia.

No estudo da obra de Bandeira, o dado biográfico é marcante. Muita coisa de sua vida ficou truncada pela doença, como ele próprio diz: ´´Tuberculose era chamada, na minha época, de a doença que não perdoa... `` Mas em Pasárgada ´´a existência é uma aventura`` (metáfora). Na 3.ª estrofe, o eu lírico, devidamente refugiado no mágico Éden imaginário, projeta uma série de ações insignificantes(´´andar de bicicleta``, ´´subir em pau-de-sebo``,´´nadar no mar``etc.), mas que compõem o cotidiano de um menino sadio( tradução de sensações jamais experimentadas). É o retorno psicológico à infância, referida aqui como marca de um tempo feliz e de liberdade . A lendária figura da mãe-d`água surge como opção para lhe contar histórias, exercendo o papel de Rosa, mulata clara que serviu de ama-seca a Bandeira e a seus irmãos quando meninos. Em ´´Itinerário de Pasárgada, o poeta comenta:

´´Quando estávamos a noitinha no mais aceso das rodas de brinquedo, era hora de dormir, vinha ela e dizia peremptória: Leite e cama! E íamos como carneirinhos para o leite e para a cama. Mas havia, antes do sono, as histórias, que Rosa sabia contar tão bem...``

Na 4.ª estrofe, o eu lírico, inconformado com o real concreto, enumera um conjunto de vantagens que esta ´´outra civilização``oferece: o sexo livre (namorar prostitutas à vontade), consumir alcalóides, telefone sem o auxílio da telefonista e método seguro de anticoncepção. Enfim, Pasárgada é um lugar moderno( progresso e tecnologia); uma nova percepção do tempo e do espaço, uma nova permeabilidade para uma revisão do mundo material. Pasárgada é o reino da permissividade, sem interdições de qualquer ordem.

A intimidade com o dono do poder (´´Lá sou amigo do rei``)coloca o eu lírico a salvo dos problemas imediatos da vida prática, ao mesmo tempo que lhe permite a expansão plena de seus instintos e ambições ( não há proibições, regras de lógica e de moral).

  Nesse poema, Bandeira busca a utopia, a evasão, o lugar onde possa realizar-se, onde fuja da morte . Em Pasárgada o “eu lírico” se confunde, se mistura com o próprio poeta. Protegendo-se nela, através do eu lírico, o poeta, na 5.ª estrofe, evita a vontade de se matar( provavelmente por uma depressão; por um desânimo causado pela doença). Pasárgada surge como um delicioso refúgio, onde o prazer e a liberdade se tornam infinitos e os desequilíbrios da vida adquirem uma nova conotação. É curioso registrar que neste ´´jardim das delícias`` não há a menor referência à ideia de paraíso enquanto exaltação da flora e da fauna, mitos edênicos tradicionais.

A cidade real de Pasárgada foi fundada por Ciro quase quinhentos anos antes de Cristo, para ser a capital do Império Persa. Suas ruínas ainda podem ser visitadas, no Irã, a aproximadamente 70 quilômetros da não menos famosa Persépolis. No entanto, como o afirma o próprio poeta...
Não sou arquiteto, como meu pai desejava, não fiz nenhuma casa, mas reconstruí, e não como forma imperfeita neste mundo de aparência, uma cidade ilustre, que hoje não é mais a Pasárgada de Ciro, e sim, a minha Pasárgada.”